quarta-feira, 5 de julho de 2017

"Deixei a vida do crime e hoje ajudo jovens infratores"

Imagem: Reprodução/ Facebook
Helena Bertho
Do UOL

Estudante da Universidade de Brasília, Ravena Carmo também dá aulas para jovens infratores. Mais do que um trabalho, o que faz é para ela uma retribuição por sua própria história: ela mesma já esteve no lugar daqueles adolescentes e mudou de vida graças ao apoio dos professores.
"Metida com drogas, no mundo crime. Talvez ainda estivesse assim hoje se não fossem alguns professores que me ajudaram no passado. Adolescente rebelde sem causa e sem perspectiva de vida, eles viram em mim um potencial que nem eu enxergava e me estimularam a mudar meu destino.
O crime não é mais parte da minha vida, sou estudante de universidade pública, poetisa, ativista e educadora em um centro para jovens igual àquele em que fiquei internada. Como meus professores, tento mostrar a eles que existem outros caminhos que a pobreza e o preconceito muitas vezes escondem de nós."

"Passei por todo tipo de medida socioeducativa"

"Filha de pais separados, fui sempre uma criança excluída. Era também a gordinha da escola e sofria muito bullying e vivia com uma sensação de não pertencer em lugar nenhum.
Onde morava, na periferia de Brasília, as drogas eram bem presentes. Com 12 anos, comecei a matar aula e provei. Foi natural, ficava na porta no colégio, alguém me ofereceu para fumar maconha, uma coisa foi levando a outra e provei cocaína.
Comecei a comprar e comecei a conhecer quem me vendia. Os traficantes me deram algo que eu nunca havia tido antes: acolhimento. Quando estava entre eles, eu não era excluída, era bem tratada e ficava a vontade. Então eu comecei a pertencer a esse mundo.
Os pequenos crimes também começaram a fazer parte do meu dia a dia: pequenos furtos, danos ao patrimônio, qualquer coisa. Não só para usar droga, mas também porque eu era uma rebelde sem causa e a rua impunha essas coisas a nós.
Várias vezes, policiais me pegaram no flagra. A primeira foi um dia que estava fumando com amigos perto da escola, eles simplesmente apareceram e enquadraram e prenderam todo mundo. Fomos mandados para um juiz, que nos condenou a um trabalho comunitário, que nunca cumpri. Como muitas outras medidas socioeducativas que recebi depois e que também evitei."

"Aos 15 anos, fui presa por tentativa de assassinato"

Até que, com 15 anos, fui pega por tentativa de assassinato. Foi cobrança de dívida de drogas. Uma mulher me devia e se ela não me pagasse, eu tinha que pagar. Eu estava pressionada, então tentei matar a mulher mesmo.
Fui pega e recebei a pena máxima para menores de idade, a internação em um Centro Juvenil. Lá era horrível, um lugar de fazer bandido mesmo e não fazia sentido para mim. Por um ano, eu fui totalmente rebelde ali dentro. Queimava colchão, entrava nas brigas, saía de um castigo para entrar em outro.

Reprodução/Facebook
Ravena acredita que a poesia, o hip hop e o grafite são ferramentas importantes para jovens encontrarem sua vozImagem: Reprodução/Facebook
"O professor disse que ainda me veria na universidade"

Mas a ficha começou a cair, todo mundo ia saindo, menos eu. Nunca pegava nenhum benefício, por causa de mal comportamento. Eu precisava mudar para sair de lá.
Foi nessa época que entrei em uma peça de teatro e isso começou a fazer toda a diferença. Através daquilo, da cultura, eu encontrei uma voz e uma outra maneira de por para fora tudo o que sentia. Então fiz cursos de arte, grafite. Além disso, os outros professores começaram a me estimular.
Eu era uma boa aluna, quando queria, e eles começaram a ver em mim um futuro que eu não via. Nunca vou esquecer quando o professor maravilhoso de teatro e matemática me disse: 'um dia eu ainda vou ver seu nome da lista de chamada da universidade pública'.
Eu? Na Universidade Pública? Isso nem tinha passado na minha cabeça, mas depois ficou impregnado em mim. Sempre que eu pensava no que queria para a vida, eu pensava que queria estudar."

"Entrei em primeiro lugar na faculdade"

"Depois de dois anos e onze meses saí dali e comecei a trabalhar em uma loja. Mas aquela ideia da universidade não saía de mim. Pedi demissão depois de dois anos e usei o dinheiro da rescisão para estudar. Mas não passei na primeira tentativa.
Sem grana, comecei a fazer artesanato e estudar por vídeos no YouTube. No meio do caminho, engravidei e me tornei mãe solteira, mas não desisti do meu sonho. Trabalhava, cuidava do meu filho, o Miguel. Quando ele dormia, estudava.
E compensou: quando saiu o resultado do vestibular, lá estava eu na lista de aprovados, e em primeiro lugar! Eu não acreditava que podia ser verdade!"

"Foi muito difícil no começo"

"O começo da faculdade foi difícil. Fazia muito tempo que eu não tinha contato com esse mundo, parecia que eu não sabia nada. O professor lá falando e eu não conseguia acompanhar. Chorei muito e pensei em desistir várias vezes.
Estava em um universo muito diferente do meu, as pessoas ali não passavam pelo que eu vivia. Era difícil me manter estudando, ainda por cima com um filho pequeno para criar. Mas eu insisti e no segundo semestre consegui entrar no auxilio estudantil, o que me deu paz para estudar.
Foi aí que soube de um projeto de extensão para educar jovens em Centros de Apoio Juvenil Especializado. Na  hora procurei a professora, querendo sabe direito o que era aquele negócio. Contei minha história para ela, que me ofereceu para que entrasse no projeto como educadora.
Então eu voltei para um centro como aquele em que tinha ficado internada para ensinar."

"Não cheguei onde estou só por ser forte"

"Isso já faz três anos e meio. Lá dentro do CEJE conheci o INESC uma ONG que trabalha exatamente com jovens em medida socioeducativa. Comecei a atuar na ONG como voluntária até que fui contratada como educadora.
Trabalho com adolescentes que são exatamente como fui um dia. Trabalho com eles artes, hip hop, poesia e comunicação. Uso a arte para ensinar eles a se expressarem como um dia eu aprendi. E isso é muito importante, porque a cultura normalmente não pertence à realidade dessas pessoas e eles têm suas vozes muito reprimidas. É importante encontrar um caminho para expressar essa voz!
Uma coisa que eu sei é que não cheguei onde estou só porque sou forte, mas sim porque tive uma pequena oportunidade que mudou minha vida – que foram meus professores. Então estou muito feliz de poder ajudar esses jovens a terem essa oportunidade, uma condição de mudar.
Sei que estou fazendo algo bom quando ouço dos alunos: 'olhar para você é saber que a gente também tem uma chance'."

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