quinta-feira, 9 de março de 2017

Um novo patamar: o bullying democrático

O PS, qual foco oportunista, aproveita a boleia desta campanha para pôr em prática o seu projecto de domesticação progressiva das instituições independentes.Também aqui é absolutamente necessário um sinal inequívoco do Presidente da República.

PAULO RANGEL do PUBLICO PT

1. Há momentos em que não se pode calar, em que não se pode ser cúmplice, em que não se pode ficar indiferente. E este tempo, mais do que outros, é um tempo para que todos os que acreditam no Estado de Direito, no respeito pela independência das instituições de controlo e contrapoder, na liberdade de expressão e na democracia liberal se façam ouvir alto e bom som.

2. O ataque perpetrado contra a independência do Conselho de Finanças Públicas e a isenção e probidade da sua presidente é um sinal de um clima democrático francamente malsão. Teodora Cardoso tem um percurso exemplar que fala por si. O papel que a instituição a que preside tem desempenhado mostra-se escrupulosamente imparcial, relevante e útil. Na verdade, qual será a vantagem de o país se desembaraçar desta instituição e de afastar a sua actual presidente? Qual será o desígnio do Governo quando recusa os nomes propostos para fazer parte desse Conselho e procura domesticá-lo com escolhas da sua proximidade? Que dizer das declarações ameaçadoras de Eurico Brilhante Dias, agora surpreendentemente erigido em zeloso arauto do novel “césar-costismo”? E que julgar dos clamores do Bloco e do PCP para extinguir esta instituição independente? E que pensar do comprometido e comprometedor silêncio do PS sobre esta sanha extintiva da esquerda radical? O PS, para além dos ditos vagidos intimidatórios, esconde-se por detrás do “radicalismo” dos seus parceiros, mas colhe (e muito) dos efeitos da propaganda deles. A operação em curso não é mais nem menos do que uma operação de bullying democrático: um assédio erosivo e sistemático às instituições que, no normal exercício das suas funções, ainda ousam ter um discurso isento e imparcial, divergente do bacoco optimismo oficioso e oficial. Aqui o Presidente da República teve um reflexo instintivo infeliz, ao fazer um comentário em tempo real a uma resposta dada numa entrevista pela presidente do dito Conselho. É muito importante, é mesmo fundamental, que, em nome do regular funcionamento das instituições, o chefe de Estado dê, de um modo ou outro, um sinal público de confiança no Conselho de Finanças Públicas. Um sinal que possa retirar qualquer “alinhamento” àquelas declarações mais imediatistas. A sua omissão, neste quadro de bullying democrático das esquerdas radicais e de cumplicidade activa do PS, será um mau serviço à saúde da democracia. 

3. Não menos grave, muito pelo contrário, é a campanha em curso contra o Governador do Banco de Portugal. Ela é liderada pelo agora regressado e omnipresente mentor da extrema-esquerda Francisco Louçã. Mas é prosseguida, de há muito, pelo PCP e por Jerónimo de Sousa. E é secundada em voz alta, média e baixa por inúmeros dignitários do PS e, em particular, por membros do Governo, aí incluindo um esfíngico e seráfico primeiro-ministro. O assédio ao Banco de Portugal começa pelo Governo e pela sua tentação e tentativa de ocupar a respectiva administração com nomes do seu perímetro de proximidades, pondo em causa o estatuto de independência. Esta é sem dúvida a mais perigosa das operações. Mas a grande ofensiva político-partidária contra Carlos Costa é também ela um movimento inquietante, claramente inscrita na tumultuosa vaga de bullying democrático que está em curso. Não tenho dúvidas – até porque isso já era mais do que sabido – de que o Banco de Portugal, em mais do que uma ocasião, revelou debilidades em matéria de supervisão. Não há aqui novas, nem se descobrem aí novidades. Mas não tenho também dúvidas de que Carlos Costa, contra ventos e marés e na maior das adversidades, foi capaz de enfrentar o poderoso lóbi do BES e todos os seus tentáculos. Ficamos a dever à sua coragem e também, diga-se, à força moral do então primeiro-ministro Passos Coelho a depuração de um verdadeiro polvo da vida financeira, económica e política do nosso país. Diante dessa coragem de Carlos Costa, como explicar, a propósito do caso da derrocada do GES e do BES, os pedidos reiterados de demissão do Governador? Alguém de boa fé acha ou pode achar que, em algum momento, o Governador quis beneficiar Ricardo Salgado e o BES? Porque não fala ninguém dos ministros socialistas dos Governos Sócrates que tantas vezes pactuaram com os já então suspeitos interesses desse grupo e desse banco? E seguramente de políticos de vários partidos e de vários quadrantes que sempre com ele conviveram e que à sua sombra se protegeram? Porque se tolera, a respeito do Banco de Portugal e do seu Governador, a ambiguidade e o cinismo das declarações de Carlos César? Por entre as investidas faustosas da esquerda radical dos últimos dias, quantas vozes aparecem com um moralismo pungente a crucificar Carlos Costa? Já alguém terá notado que, entre elas, se distinguem as muitas viúvas e os múltiplos órfãos dos tempos do sistema BES-GES?

É preciso bom senso, sentido de Estado e apego aos valores da democracia. Não se pode confundir tudo, misturar tudo, baralhar tudo. Já se reparou que os argumentos de Jerónimo e Louçã se dirigem, antes do mais, ao estatuto de independência do Banco Central? Quem quer acabar com e pôr em causa a independência do Banco de Portugal? É mesmo o grande desígnio de toda esta agitação? Mais uma vez, está bem documentado o antieuropeísmo da esquerda radical, a sua resistência à União Europeia, o seu combate ao euro e a sua profunda desconfiança das democracias liberais do ocidente. E o PS, qual foco oportunista, aproveita a boleia desta campanha para pôr em prática o seu projecto de domesticação progressiva das instituições independentes.

Também aqui é absolutamente necessário, tal como a respeito do normal funcionamento das instâncias parlamentares de controlo, um sinal inequívoco do Presidente da República. Não pelas estafadas razões da estabilidade financeira, que agora parece alçada à condição de razão última da acção política. Não. Sim pela salubridade do funcionamento das instituições numa democracia liberal.

 
SIM e NÃO

SIM. Padre Roque Cabral. Acaba de completar 90 anos: grande vulto da filosofia e da ética em Portugal. Sacerdote jesuíta, pedagogo intergeracional, de rara erudição e cultura, é uma referência incontornável da Universidade Católica desde a fundação.

NÃO. “Podemos” e imprensa. A associação de imprensa de Madrid denunciou o assédio e condicionamento que este partido da esquerda radical, homólogo do BE, exerce junto dos jornalistas. Trump não faria melhor.

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