sábado, 11 de março de 2017

“Moonlight: Sob a luz do luar”

PORTAL VERMELHO

Cloves Geraldo *

Vidas sob sombras

Em filme sobre jovens afro-estadunidenses da periferia de Miami, cineasta Barry Jenkins mostra o quanto a falta de perspectiva molda suas escolhas


De repente é como se as praias ensolaradas e paradisíacas de onde emergem corpos sarados e bronzeados de turistas e moradores de alta classe média fossem apenas pôsteres e comerciais de tv. O que emerge deste “Moonlight: Sob a luz do luar” é a Miami matizada não pelos resorts e prédios e automóveis de luxo, mas sujas praias, ruas esburacadas, castigadas casas de madeira e alvenaria nubladas sob o sol manhoso, demonstrando a falta de perspectivas para os jovens afro-estadunidenses.

Com esta construção, o cineasta afro-estadunidense Barry Jenkins foge, em sua adaptação de história de Tarrel Alvin McCraney, premiada com o Oscar 2017, dos filmes que tentam passar a imagem classe média de seu segmento racial. Centra sua narrativa em núcleo de personagens fora dos padrões hollywoodianos, desglamourizados, sem sonhos ou possibilidades de ascensão. O que lhes espera em seu modorrento cotidiano é conviver com tráfico de drogas, bullying e lar desfigurado.

Este é o universo no qual vive o garoto Chiron, sem em quem se apoiar, dado ao alcoolismo e a dependência química da mãe Paula (Naomie Harris). Seu único apoio vem do jeitoso Juan (Maheshala Ali), que o leva à sua casa, onde ele e a companheira Tereza (Janele Monäe) o tratam como filho. Se tornam amigos, passeiam pela praia, num bairro da periferia de Miami, Flórida. Jenkins foge, assim, ao maniqueísmo, construindo as dualidades de Juan e as descobertas do introvertido Chiron.

Rito de passagem Chiron é violento
Contudo a dupla Jenkins/McCraney não se presta a amabilidades. O cotidiano de Chiron na adolescência é dividido entre a rua, em que se encontra com seu amigo Kevin (Jharrel Jerome), e a escola pública do bairro onde sofre bullying e agressões de Black (Trevante Rhodes), chefe da gang juvenil, sempre a testar sua fragilidade. Nem os professores interferem, como se tratasse de rito de passagem e ele tivesse de suportar violência e sangue, sem reclamar, inclusive à mãe, quando está sóbria.

O tratamento nestas sequências difere dos vistos pelo espectador no cinema desde “Sementes da Violência” (1955), no qual o cineasta-estadunidense Richard Brooks (1912/1992) expõe os conflitos juvenis por rebeldia ou simples necessidade de afirmação. Em “Sob a luz do luar”, Jenkins amplia a complexidade do universo afro-juvenil. As armadilhas hoje são outras. Desta forma, Chiron se defronta com as drogas, a violência na escola e sua própria homossexualidade.

Importa aqui a delicadeza e o equilíbrio com que Jenkins constrói as sequências nas quais, Chiron descobre a duplicidade vivida por Juan. A casualidade os faz se deparar à noite com a mãe e o desconhecido num automóvel em plena rua. O choque impõe a Chiron a verdade sobre a dupla condição da mãe, de desempregada e drogada. Todo o esforço dela para cativá-lo esfacela. É ainda Juan quem o impede de ficar desamparado.

Juan molda Chiron à sua maneira
É ele a ouvir Chiron quando este lhe pergunta o que é ser chamado de gay. A resposta dele, além de lapidar, é simples, honesta e de profundez exemplar: ”Gay é uma palavra que as pessoas usam para você se sentir mal”. E continua a tratá-lo de forma a que o assunto não mais retornasse. Fica tão marcado que em sua fase adulta se torna ainda mais introspectivo e solitário, envolvido nas mesmas duplicidades de Juan. Jenkins usa de certo atavismo para mostrar o quanto ele fora moldado para refrear seu desejo.

Toda essa contenção aflora na terceira parte da narrativa dividida em capítulos, ora se referindo ao tempo, ora aos personagens, durante o reencontro de Chiron com o amigo Kevin, agora cozinheiro de conceituado restaurante. Entre eles persiste a mútua atração da juventude, ainda que ele a controle. Jenkins nesta longa sequência em contínuo deixa que a atmosfera que os domina flua amena e romântica. O espectador percebe o quanto o meio o influenciou e ainda o reprime em plena maturidade.

Conta muito a estruturação estética do filme, a iluminação azulada do diretor de fotografia James Laxton a tornar o clima tépido, dando a sensação de algo inconcluso. Reforçada pela ágil montagem de cenas curtas da dupla Nat Sanders/Joi McMillan e dos precisos enquadramentos de Jenkins. Este todo ao transitar de um tempo ao outro, de Chiron e Kevin na infância, na adolescência e na vida adulta, configura transições que demarcam o que ambos se tornaram até se reencontrar.

Jenkins evita expor emoções demasiadas

Jenkins, em acertada condução, mantém esta sequência sob absoluto controle, evitando explosões e demasiadas emoções. O espectador percebe o quanto, eles ainda se tateiam. Diferente de Paula, sempre intensa e complexa na interpretação da ótima Naomie Harris, indo do choro à raiva e desta à alegria, nas exposições de amor ao filho. Ou de Juan, bem vestido, nuançado, na composição de Ali, ganhadora do Oscar 2017, de melhor ator coadjuvante. Não à toa mereceu o Oscar 2017 de melhor filme.

Moonlight: Sob a Luz do Luar. (Moonlight). Drama. EUA. 2016. 111 minutos. Música: Nicholas Britell. Edição: Nat Sanders/Joi McMillan. Fotografia: James Laxton. Argumento: Tarrel Alvin McCraney. Roteiro/direção: Barry Jenkins. Elenco: Asthon Sanders, André Holland, Mahershala Ali, Naomie Harris, Janelle Monäe.

* Jornalista e cineasta, dirigiu os documentários "TerraMãe", "O Mestre do Cidadão" e "Paulão, lider popular". Escreveu novelas infantis,  "Os Grilos" e "Também os Galos não Cantam".

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