domingo, 25 de outubro de 2015

Fim do bullying requer controle de toda a rede de agressões

Maria Tereza Maldonado, psicóloga autora do livro “Bullying e Ciberbullying: O que Fazemos com o que Fazem Conosco”? Falar sobre o assunto


INTERESSA
LITZA MATTOS  - O TEMPO
A falta de uma política pública nacional que freie as agressões e os diversos comportamentos da sociedade atual estimulam o comportamento, fazendo com que bullying e ciberbullying se propaguem para além dos muros das escolas.
Quais são as manifestações mais comuns desse tipo de agressividade entre alunos?No bullying agressões verbais, xingamentos, intimidação e exclusão são as manifestações mais comuns, e, eventualmente, também podem ocorrer as agressões físicas. No ciberbullying, são mensagens muito agressivas pelas redes sociais, às vezes de ódio mesmo, xingamentos, humilhação, divulgação de fotos, imagens e mensagens de texto e intimidação, até no sentido de chantagem e de ameaças. Geralmente, são manifestações muito baseadas em preconceitos e discriminações, como, por exemplo, as direcionadas às pessoas negras ou homossexuais, que já são descriminados socialmente.

Quais são as fronteiras entre brincadeira e agressão? Normalmente, os autores de bullying e ciberbullying dizem que o que eles fizeram foi só uma brincadeira e que as outras pessoas é que não sabem brincar. Mas existe diferença, sim. Brincadeira é quando todo mundo se diverte. Já quando alguém se diverte à custa de atacar o outro não é brincadeira, é padrão de agressão. Outra confusão muito frequente é em relação à liberdade de expressão. Essa rede de ódio é crime, não é liberdade de expressão, nem fazer e dizer o que bem entender, porque exclui o respeito pelos outros.

Há um padrão de repetição que configura os ataques?
O bullying é um padrão repetitivo de agressão, configurando relação desigual de poder. Porém, o ciberbullying já é outra coisa. Éle é a propagação instantânea para uma plateia gigantesca, que pode ser facilmente compartilhada. Então, mesmo que o ataque seja feito uma única vez, caracteriza ciberbullying.
Os comportamentos descritos como bullying existem desde sempre. O que mudou nos últimos anos? O bullying sempre existiu, mas a maneira de olhar mudou. Antigamente era visto como uma brincadeira de criança, e elas que resolvessem entre si. Mas, após uma observação mais criteriosa, começou a ficar claro que não é brincadeira de criança, mas um padrão de agressão que, se não for trabalhado como precisa ser, pode migrar para outros tipos de relacionamento. Já foi percebida uma correlação: os autores de bullying na época da escola são também as pessoas que mais frequentemente irão exibir padrões de agressão mais tarde, em relacionamentos afetivos, no local de trabalho ou no trato com a vizinhança.
E no ciberbullying?
O ciberbullying começou a acontecer quando apareceu a tecnologia. É o uso inadequado da internet, dos smartphones, dos computadores e dos tablets com o intuito de atacar, agredir, destruir e humilhar. Quando começaram os ataques por esses meios eletrônicos é que o problema aumentou de dimensão, pois a criança vai para casa e continua sendo atacada pelas redes sociais, até mesmo nos sábados, domingos e nos feriados. Cresceu imensamente, e então os especialistas começaram a estudar o que poderia ser feito com relação a isso.
Muitas pessoas contam que sempre sofreram bullying e que nem por isso ficaram traumatizadas. Por que as pessoas acham que isso só se tornou um problema hoje?Esse é um argumento parcialmente verdadeiro. Da mesma forma que algumas pessoas dizem que apanhavam dos pais e que nem por isso cresceram traumatizadas. Só que algumas crianças morrem, e muitos ficam traumatizados, sim. Algumas crianças e adolescentes que sofrer bullying não tiveram maiores consequências, mas outras, sim. A questão é: o que eu faço com o que fizeram comigo? Para algumas não afeta, mas para outras afeta a autoestima, elas desenvolvem quadros depressivos a partir dessa experiência, um profundo mal-estar, dificuldade em permanecer na escola. Para algumas pessoas, dependendo da gravidade da agressão, podem sofrer consequências em curto, médio e longo prazos. Além disso, muitas pessoas dizem que não acham que não sofreram com o que aconteceu, porque eles passaram a ser autores de bullying.
O que fazemos com o que fazem conosco?
Temos escolhas de caminhos a seguir. Vamos dar a alguém o poder de nos deixar arrasados e com baixa autoestima? Vamos permanecer em silêncio, sofrendo calados, ou vamos buscar maneiras eficazes de ajuda? Vamos nos isolar ainda mais ou pensar em maneiras de nos fortalecermos e buscar recursos que nos permitam sair dessa situação?
Em que as gerações anteriores falharam ao lidarem com esse problema? O que está sendo feito para lidar com o bullying é muito menos do que o necessário. Então, o que precisa ser feito é um trabalho de conscientização do problema. Entender que não é uma brincadeira, mas um padrão de agressão. Algumas escolas até fazem trabalhos consistentes, mas, infelizmente, ainda não são a maioria.
Como deve ser essa forma de abordagem? Por meio de um programa que envolva toda a rede de relacionamentos do aluno. Não adianta tratar apenas aquele que sofre ou quem faz, mas é preciso olhar para toda a rede de relações e toda a equipe escolar. Muitas vezes, o bullying não acontece somente na sala de aula, mas também no banheiro, durante o recreio. Por isso, outras pessoas precisam ser sensibilizadas, e, principalmente, a massa de alunos que presenciam os colegas fazendo e sofrendo bullying. Essa plateia, quando bem trabalhada, consegue inibir as agressões.
Como a sociedade atual influencia esse tipo de comportamento? São vários aspectos: a impunidade, esse conceito distorcido do que é liberdade de expressão, a falta de educação com relação ao uso das redes sociais e os preconceitos que vigoram na sociedade (sexual, racial, geográfico, religioso etc.); achar que é normal e aceitável. Todos esses preconceitos e comportamentos de discriminação são baseados nos preconceitos que estão na sociedade e acabam virando matéria-prima para os comportamento de bullying e de ciberbullying.
É possível que seja feito algum trabalho para que as crianças e os adolescentes não se deixem afetar negativamente pelo bullying ou ciberbullying? Há recursos a serem desenvolvidos por quem sofre bullying: encarar o problema como oportunidade de desenvolver novos recursos de ação, tais como assertividade; a reflexão de que tipos de conduta podem facilitar que ela seja escolhida como alvo; medidas de autoproteção e ampliação de sua rede de apoio.
Existe um projeto de lei em tramitação (PLC 68/2013) que busca prevenir e combater a prática de bullying nas escolas. O que ele prevê?O projeto cria o Programa de Combate à Intimidação Sistemática – o bullying. Participei com uma fala no Congresso quando o PL estava na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, mas o projeto ainda não está completo. Ele prevê que se tornem obrigatórios, ou seja, que as escolas façam programas consistentes e em longo prazo de prevenção ao bullying.

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